Inteligência Artificial nos processos de recrutamento de pessoas

7 de agosto de 2023
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Alphaville é o título do filme de ficção científica/noir/surrealista dirigido por Jean-Luc Godard em 1965. Uma cidade na qual todas as dores e sentimentos incômodos teriam sido extirpados pelo controle da linguagem. Eliminando a carga simbólica das palavras, o grande computador Aplha 60 gerencia as vidas de todos, fazendo as pessoas aderirem à lógica. Ideias como liberdade e amor, evidente estavam entre as palavras esquecidas, pois não possuíam “lógica”.

Uma das cenas mais interessantes do filme é quando o herói Lemmy Caution declama poesia para o Alpha 60 e acaba levando o computador ao colapso. A subjetividade da linguagem contida no poema fugiu completamente à capacidade de análise do controlador de Alphaville e foi considerada ilógica.

Hoje conversamos bastante com computadores e não sei de ninguém ainda que tenha experimentando expressar-se em versos e que tenha obtido algum resultado ao falar com máquinas. Além de conversar, agora se trata de ser selecionado para uma vaga de emprego por um computador. Como é a sensação de ter uma parte tão significativa de sua vida regrada por critérios técnicos e supostamente lógicos? Alguns relatam que essa é uma situação incômoda e experimentam sentimentos de insegurança e injustiça.

O uso de Inteligência Artificial para selecionar pessoas já é uma realidade para diversas empresas há muito tempo e com o advento da pandemia essa prática teve um enorme crescimento. Os argumentos a favor desse tipo de processo são economia de tempo, assertividade dos processos e critérios de justiça mais amplamente empregados. Outro aspecto que favorece o uso de machine learning e people analythics é o grande volume de informação a ser processado, que se fosse feito manualmente nunca seria concluído apropriadamente.

A seleção de pessoas nesse formato digital usa uma ampla gama de ferramentas para que os dados sejam cruzados e a pessoa certa seja contratada para a vaga certa. Pode ser solicitado ao candidato que jogue diversos jogos online à distância, preencha inúmeros formulários, ou ainda grave vídeos com respostas às perguntas, que serão transcritos por assistentes de voz e terão o conteúdo do texto posteriormente analisado por algoritmos.

A Inteligência Artificial é também usada nos testes de personalidade que vão classificar e validar os candidatos, para que avancem para a próxima etapa, na qual finalmente serão entrevistados por vídeo por um recrutador. Tudo isso é feito sem qualquer supervisão humana. Mas as ferramentas são programadas por pessoas, portanto, há o elemento humano.

Nesse sentido, é válido notar que existem inúmeros episódios nos quais os algoritmos reproduziram os vieses nos quais foram programados e passaram a deixar de lado mulheres, negros e população LGBTQIA+. Muitos desses relatos vêm das redes sociais, como, por exemplo, o Instagram que tem sido acusado de preterir o alcance de publicações de pessoas negras ou ainda os processos seletivos da Amazon que em 2018 excluíam as mulheres. O mesmo pode acontecer com os algoritmos dos processos seletivos?

A lógica dos algoritmos vem sendo contestada e destacamos aqui dois artigos da BBC, um de 2012 “Candidatos a emprego precisam conquistar ‘robôs’ em processos de seleção” e outro de 2021 “O que buscam os computadores que agora selecionam currículos” que trazem esses relatos e exploram o tema sob o ponto de vista dos que foram excluídos. O tempo que separa um artigo do outro se torna interessante para reflexão, pois não se trata de algo novo, mas ainda surpreendente para muitos que estão hoje nos processos seletivos.

Parece haver um cenário promissor e de aprendizados por parte das empresas que fornecem os processos seletivos nesse formato, porém até o momento, as possibilidades de controle ou auditoria desses processos no sentido de atendimento concreto à diversidade não aconteceu.

A sensação de quem participa desses processos não é das mais positivas quando se trata de conquistar uma vaga que usa inteligência artificial na seleção. Já para os recrutadores que conseguem automatizar a impossível tarefa de triar 1000 candidatos para uma vaga essas ferramentas são um alívio… até que menos recrutadores sejam necessários para realizar os processos agora dominado por máquinas.

Podemos nos perguntar: de fato os algoritmos conseguem analisar discursos humanos sem vieses e aplicar critérios isentos de julgamento? Como a falta da intuição e subjetividade humana podem interferir na qualidade dessas seleções? Qual será a próxima etapa da automação de processos antes tão humanos?

Um fato curioso da manipulação da linguagem é que esse recrutamento vem sendo chamado de ‘recrutamento humanizado’, porém, identificar em 25 minutos os potenciais e habilidades de uma pessoa para um cargo pode não trazer exatamente essa sensação de humanização.

E o que dizer dos processos de desligamento totalmente digitais? Quando o filme “Amor sem escalas” (disponível na Netflix) foi lançado em 2009 foi um choque para as pessoas ver processos de desligamento sendo conduzidos por videoconferência. A personagem sem sentimentos de empatia representada por George Clooney incomodava por seu modo 100% objetivo de tratar com as pessoas que estavam vivendo um dos seus piores momentos: a perda do emprego.

Passou-se mais de uma década e hoje já é possível encontrar assessoria para processos muito mais ‘objetivos’ e digitais para demissão por computador também. Sempre usando as palavras “humanizado” e “empatia”, tais processos passam longe disso, se consideramos as percepções dos envolvidos diretamente. Será mesmo que as pessoas envolvidas terão esse sentimento de estarem sendo tratadas de forma humanizada?

Longe de esgotar o assunto, precisamos mais do que nunca de informações e reflexão para um posicionamento coerente, tanto como profissionais da área, que podem se beneficiar de processos mais ágeis, quanto como potenciais candidatos a uma vaga que serão selecionados por inteligência artificial. Todos nós desempenhamos um papel nos processos evolutivos sociais e tecnológicos ao nosso redor, refletir sobre isso é o mínimo.

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